Desastres naturais: 15% das estações de monitoramento de rios no Brasil mandam dados em tempo real
14:25 23/05/2024
Ferramenta é considerada fundamental para alertar população sobre risco de inundações, aponta o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). No Rio Grande do Sul, são 25%.
🛜Das 23,6 mil estações de monitoramento de rios no Brasil, 15% enviam os dados em tempo real. E, em alguns casos, a falta de cobertura de redes de celular dificulta o envio dessas informações, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Essas estações se dividem entre as pluviométricas (medem a chuva que cai na bacia do rio), fluviométricas (medem o nível e a vazão dos rios) e as que fazem as duas coisas.
POR QUE É IMPORTANTE:
- 📌antes de um alerta da Defesa Civil ser enviado à população para avisar sobre riscos, os especialistas precisam fazer previsões de eventos climáticos excepcionais. Um dos pilares essenciais dessa previsão são os dados fornecidos por estações de monitoramento espalhadas ao longo de rios e bacias do Brasil.
- 📌 No entanto, segundo especialistas ouvidos pelo g1, o Brasil enfrenta dois desafios: a cobertura dessa rede é inferior ao ideal, e há dificuldade de acesso às informações, já que 85% são manuais – precisam de um observador para anotar os dados do equipamento.
“Quase todos os postos, você vai lá a cada dois, três meses para pegar os dados. Só um grupo de postos pequenos que são telemétricos, que mandam [os dados] para uma estação em tempo real. Isso é essencial em uma hora dessas [de tragédia]”, afirma o professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH/UFRGS) e diretor de hidrologia da Rhama Analysis, Carlos Tucci.
Leandro Casagrande, engenheiro responsável pelo monitoramento hidrológico do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), afirma que a rede que fornece dados online é fundamental para a previsão de alertas hidrológicos no país, como enchentes e transbordamento de rios.
💧Inundações são um dos principais desastres naturais do país. Em 2023, dos 3.425 alertas emitidos pelo Cemaden, mais da metade foram alertas hidrológicos, como transbordamento de rios. Em 2022, mais de 1,5 milhão de pessoas foram afetadas por cheias e 7 milhões por seca, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA).
“Sem os dados das bacias não tem como fazer modelo matemático algum. A gente precisa saber o que está correndo no rio e o volume de chuva”, afirma.
O engenheiro explica que a cobertura atual de pontos de monitoramento é deficitária especialmente nas pequenas bacias do país, onde, segundo dele, acontecem 70% dos desastres hidrológicos. “Essas pequenas bacias não estão cobertas”.
Isso acontece, segundo ele, porque, nos últimos anos, a instalação dos pontos de monitoramento teve como objetivo principal subsidiar o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil. Por isso, foram colocadas nas grandes bacias hidrográficas.
Para efeito de comparação, a Inglaterra, que em área é um pouco menor que o estado do Amapá, tem cerca de sete mil pontos de monitoramento – cerca de 30% do total brasileiro.
Veja como funcionam e o que fazem os equipamentos que monitoram os rios e bacias do país. — Foto: g1
‘A gente gostaria de ter mais estações’, diz presidente de órgão federal
Responsável por coordenar os 23.663 pontos para colher informações de chuva e nível dos rios no país (pertencentes a entidades públicas e privadas), a Agência Nacional de Águas (ANA) afirma que passa por restrições orçamentárias.
Obviamente que a gente gostaria de ter mais estações
— Verônica Sanchez, presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) em entrevista ao g1
💵 Para 2024, o Congresso havia aprovado R$ 71,5 milhões de orçamento para a agência. No entanto, no início deste ano, o montante caiu para R$ 58,8 milhões.
“[A diminuição] reduzirá consideravelmente a capacidade de operação dessa rede [de monitoramento de rios], que depende da manutenção e calibragem dos equipamentos em campo, de alto custo e complexidade, e das medições também realizadas em campo de vazão dos rios e qualidade das águas, além de atrasar o início da fase 2 do Qualiágua”, disse a agência, em nota.
A agência lembra ainda, que, em desastres, pontos de monitoramento podem ser danificados ou levados pela água. Nas inundações que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, 7 pontos de monitoramento da Bacia do Taquari foram perdidos e terão que ser repostos.
Questionado sobre o corte de orçamento, o Ministério do Planejamento informou que a redução de R$12,6 milhões ocorreu porque a inflação de 2023 foi menor que a esperada, afetando a parte dos recursos condicionada a essa variação.
“Durante do exercício de 2024, esse valor pode ser acrescido, caso as condições fiscais permitam uma suplementação de dotações”, informou a pasta.
Nesta quarta-feira (22), o governo federal anunciou o desbloqueio de parte do orçamento de 2024. A ANA informou que haverá uma reunião, ainda sem data, para definir a alocação desses recursos desbloqueados.
“Devido aos cortes orçamentários, a ANA e outras agências estão estranguladas e aguardam a recomposição dos seus orçamentos”, informou a agência em nota.
Estação de monitoramento do nível do rio na cidade do Muçum, no Rio Grande do Sul, antes e depois das cheias do início de maio. Neste caso, o equipamento é manual, não transmite os dados em tempo real. — Foto: Rhama Analysis
Pesquisadores alertaram que RS precisava ampliar monitoramento
Em setembro de 2023, após as enchentes que deixaram 54 mortos no Rio Grande do Sul, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS divulgou uma nota direcionada ao governo do estado. No texto, eles pediam ações “urgentes e prioritárias” frente a eventos extremos que seriam intensificados por causa das mudanças climáticas.
Entre essas ações, estava a instalação de mais equipamentos que permitissem monitorar os rios em tempo real:
“Instalação de uma rede densa de monitoramento hidrológico e hidrometeorológico automatizado e robusto, capaz de garantir a continuidade de medições e transmissão das informações mesmo quando há falta de energia elétrica, quando os níveis da água são superiores aos níveis máximos já registrados e nas condições mais adversas, com a disponibilização de dados em tempo real”, pedia a carta.
Atualmente, o Rio Grande do Sul tem 1,7 mil estações, e 25% delas fazem a transmissão dos dados em tempo real.
“Se a gente conseguisse ter a chuva e os níveis medidos com maior precisão, a gente anteciparia, em até três dias, o que vai acontecer na região metropolitana [de Porto Alegre]. Três dias de antecedência num desastre desse seria um tempo fantástico”, disse Fernando Meirelles, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas, da UFRGS.
Procurado, o governo do estado alega que as sugestões foram levadas em consideração e que, após as chuvas de 2023, houve melhora significativa na rede de monitoramento do estado.
“Após o evento de setembro de 2023, a cooperação entre as instituições que atuam no planejamento da rede de monitoramento hidrometeorológico melhorou significativamente. Além disso, o Estado já conta com um sistema que integra mais de 600 estações hidrometeorológicas automáticas próprias e integradas”, afirma o estado em nota (veja a íntegra).
O governo diz, ainda que “Dentre as ações imediatas apontadas pelo IPH, já é realizada pelo Estado a identificação de trechos de rios inundáveis, bem como em escala regional nos Planos de Recursos Hídricos de Bacia Hidrográfica. Além disso, o Estado também já tem atuado para melhorias dos sistemas de alerta à população por parte da Defesa Civil Estadual”, informou o governo do estado em nota (veja a íntegra abaixo).
O governo do RS informou, ainda que as demais sugestões do IPH também foram levadas em consideração.
Estação de monitoramento com transmissão de dados em tempo real no Cais Mauá, em Porto Alegre — Foto: Arquivo pessoal
Leia a íntegra da nota do governo do Rio Grande do Sul:
“O governo do Estado garante que a sua atuação tem como base a ciência e a pesquisa. Por isso, a aproximação com pesquisadores de diferentes áreas é algo contínuo. Após as enchentes de setembro de 2023, o governo instituiu o Gabinete de Crise Climática, em que treze instituições de pesquisa, como o próprio Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS) fazem parte das discussões.
As sugestões da equipe do IPH/UFRGS recebidas pelo governo RS no ano passado foram levadas em consideração. O documento trazia quatro proposições consideradas urgentes, quatro de curto prazo e quatro de médio-longo prazo.
Dentre as ações imediatas apontadas pelo IPH, já é realizada pelo Estado a identificação de trechos de rios inundáveis, bem como em escala regional nos Planos de Recursos Hídricos de Bacia Hidrográfica. Além disso, o Estado também já tem atuado para melhorias dos sistemas de alerta à população por parte da Defesa Civil Estadual.
Outros dois itens dizem respeito a levantamentos já realizados pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB). A Defesa Civil e a equipe do SGB estão trabalhando para elencar as áreas prioritárias quanto ao levantamento de risco. Em paralelo a isso, estão buscando a ampliação do número de áreas que devem ser mapeadas no Estado do RS.
Para os pontos considerados de médio prazo, todas as sugestões ou já ocorrem ou estão em alguma fase de implementação. Já estão em andamento as melhorias nos sistemas de monitoramento, com a instalação de um radar meteorológico que está em fase final de implementação. Foram investidos mais de R$ 25 milhões no serviço que irá monitorar a região metropolitana de POA e mais um raio de 150 quilômetros, trazendo mais assertividade e qualidade na informação que irá subsidiar os alertas à população.
Os alertas e avisos hidrometeorológicos divulgados nas plataformas institucionais (site, Instagram, Facebook, Twitter) passaram por reestruturação, sendo que, inicialmente, passou-se a agregar informações de prevenção e orientação à população e, na sequência, a adoção de novo modelo que trouxe mais informações junto às imagens e textos de apoio.
Campanhas de conscientização sobre a importância dos alertas aumentaram, em cerca de seis meses, de 7,5% para 11,12% a população no RS cadastrada no 40199 (IDAP- Interface de Disparo de Alertas Públicos). Também estão em andamento as tratativas para viabilizar a operacionalização do cell broadcast, ferramenta que enviará alertas para celulares dentro de uma área de risco de desastre.
Também está em andamento o projeto de implementação do Centro Integrado de Gerenciamento de Riscos e Desastres. Além disso, está em curso um projeto de ampliação dos serviços prestados pela Sala de Situação RS. Em andamento, também, a proposta de curso de capacitação de agentes municipais de Proteção e Defesa Civil, a ser realizado pela Defesa Civil estadual em parceria com o Ministério Público.
Importa ressaltar, contudo, que o programa Capacitar, da Defesa Civil Estadual, já tem o objetivo de apresentar temas relacionados visando a capacitação de agentes nos diferentes âmbitos de atuação, a troca de experiências e boas práticas. Participam das atividades oficiais e praças da Defesa Civil Estadual, agentes das coordenadorias municipais de Proteção e Defesa Civil, prefeitos, secretários municipais e assessores de prefeituras.
O mesmo vale para as sugestões consideradas de longo prazo. Após o evento de setembro de 2023, a cooperação entre as instituições que atuam no planejamento da rede de monitoramento hidrometeorológico melhorou significativamente. Além disso, o Estado já conta com um sistema que integra mais de 600 estações hidrometeorológicas automáticas próprias e integradas. Esse sistema, além das estações do Estado, recebe informações do SGB, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), e do setor elétrico.
As informações são avaliadas diariamente pela equipe da Sala de Situação, que trabalha em regime de plantão 24/7 e é composta por meteorologistas e hidrólogos. Os técnicos fazem a análise dos dados e repassam as informações para a Defesa Civil, que emite os alertas à população. As Defesas Civis municipais, por sua vez, contam com seus planos de contingência, que preveem a forma de contato e a orientação às comunidades. Atualmente mais de 270 municípios gaúchos contam com planos de contingência que especificam as ações e procedimentos em caso de desastres.
Buscando maior envolvimento dos poderes públicos municipais, durante o processo de repasse de recursos na modalidade fundo a fundo, após os eventos meteorológicos adversos de 2023, foram exigidos como requisito aos municípios que pleitearam os recursos estaduais a apresentação de estrutura de Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil e de Plano de Contingência municipal.
Em 2024, foi lançado o Projeto de Educação Ambiental para Riscos de Desastres, que objetiva a implementação dos princípios básicos da Política Estadual de Educação Ambiental e a formação de agentes socioambientais. O projeto faz uso da Educação Ambiental como ferramenta para entender, prevenir e minimizar os desastres socioambientais. Um dos módulos diz respeito à capacitação dos agentes de comunicação (imprensa local) quanto à forma de comunicar alertas à população. Isso vai ao encontro do item mencionado pelo IHP no sentido de desenvolver uma cultura de compreensão e prevenção de riscos relativos a eventos extremos e desastres”.
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