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Copa do Mundo 2022 tem dois jogadores com desfibrilador cardíaco

Agora News MS

14:24 23/11/2022

Christian Eriksen, da Dinamarca, e Daley Blind, da Holanda, já estrearam no Catar e jogaram sem nenhum problema, apesar de cada um ter um aparelhinho que dá choque no coração em caso de arritmia. O cardiologista do esporte Mateus Freitas Teixeira explica

A Copa do Mundo 2022, do Catar, apresenta grandes desafios e discussões que podem mudar e aprofundar o conhecimento sobre algumas questões de cardiologia do esporte. Estamos falando da presença de dois jogadores com doença cardíaca e que usam cardiodesfibriladores implantáveis (CDI): Christian Eriksen, da Dinamarca, e Daley Blind, da Holanda.

Eriksen é o caso mais recente: o meia dinamarquês sofreu um ataque cardíaco jogando por seu país contra a Finlândia na Euro 2021, em junho do ano passado. Não foi divulgada a doença de base, porém implantou-se um CDI, um desfibrilador, em seu coração. O seu retorno para seu time anterior a Inter de Milão foi negado, mas Eriksen está jogando pelo Manchester United e, com a liberação do comitê de saúde da FIFA, estreou nesta terça-feira na Copa, num empate em 0 a 0 contra a Tunísia

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Eriksen no jogo da Dinamarca contra a Tunísia pela Copa do Mundo 2022, no Catar  — Foto: REUTERS/Bernadett Szabo

Eriksen no jogo da Dinamarca contra a Tunísia pela Copa do Mundo 2022, no Catar — Foto: REUTERS/Bernadett Szabo

E outro jogador que fez sua estreia na Copa do Mundo, na segunda-feira, foi o lateral holandês Daley Blind, que em 2019, durante jogo entre Ajax e Valencia pela liga dos campeões, teve sintomas de tonteira. Blind foi diagnosticado com miocardite, inflamação do miocárdio, o músculo do coração. Ficou afastado dos campos para tratamento, implantou um CDI e voltou a jogar. E, assim como Eriksen, teve autorização dos comitês de saúde responsáveis pela Copa.

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 Daley Blind em treino da Holanda na Copa do Mundo 2022, no Catar  — Foto: Bernadett Szabo / Reuters

Daley Blind em treino da Holanda na Copa do Mundo 2022, no Catar — Foto: Bernadett Szabo / Reuters

Portanto, eles têm em comum o uso de cardiodisfibrilador implantável, um desfibrilador subcutâneo para pacientes que têm uma doença cardíaca de base que causa arritmias cardíacas, e que é implantado abaixo da clavícula. É um aparelhinho da família do marcapasso, mas que dá um choque no coração quando há uma taquicardia perigosa ou um uma fibrilação ventricular e é indicado normalmente para pacientes com cardiomiopatia hipertrófica ou com miocardite.

Adiantamos essa discussão numa coluna anterior, em que revisamos as indicações e os desafios. Mas vale relembrar os quadros para estruturar a decisão de indicação para o implante de CDI: danger (perigo), disease (doença), device (dispositivo) and dysrhythmias (arritmias).

Cardiodesfibrilador implantável (CDI) — Foto: Istock Getty Images

Cardiodesfibrilador implantável (CDI) — Foto: Istock Getty Images

A Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e Esporte contraindica o retorno ao esporte competitivo, especialmente o futebol, lutas e esportes aquáticos, para quem usa o CDI. Pois, em teoria, são pacientes de alto risco, já que possuem doenças de base pró-arritmogênicas, ou seja, que causam arritmias cardíacas. Além disso, há os riscos de trauma no local durante as jogadas de contato, com possibilidade de fratura de cabo e aparelho, choque inapropriado e choque d’água, para citar alguns – já que parte do aparelho fica dentro do corpo e parte do lado de fora, ligadas por um cabo. Por fim, o CDI não trata doença de base.

Mas, como já comentei anteriormente, quando dois jogadores com CDI estão em campo, e agora numa competição da magnitude de uma Copa do Mundo, observados por milhões de pessoas, estamos vendo a história sendo feita e novos rumos sendo tomados em relação à medicina do esporte e à cardiologia do esporte

É possível então retornar ao esporte? Dependendo do caso, sim, e reitero abaixo algumas condições:

  • O retorno ao esporte pode ser permitido após um período de seis semanas de descanso (relativo), de preferência após a realização de testes de esforço;
  • Se for praticado esporte com alto risco de colisão, a blindagem e/ou proteção do aparelho precisa ser discutida, embora sua eficácia nunca tenha sido comprovada;
  • A programação do dispositivo precisa de atenção: o atleta deve estar ciente dos limites de frequência cardíaca para detecção e disparo de choques, entender como estão programados os limiares para evitar alcançá-los durante o exercício.
  • Por outro lado, as zonas de detecção, as frequências de rastreamento e de sensor precisam ser programadas suficientemente altas para permitir frequências cardíacas altas (suficientes) durante o exercício de alta intensidade, como o desses atletas.

Lembro também que no Catar o calor é forte e há uma grande perda de eletrólitos, o que também pode ser pró-arritmogênico. Por isso, veremos as comissões preocupadas com hidratação e teremos a primeira Copa da Mundo pós-pandemia. A maioria desses atletas teve covid-19 e está vacinada, e como já sabemos por artigos recentes, a miocardite não se mostrou tão prevalente como se temia no pós-covid. Porém, como a covid é uma doença nova e sistêmica, estaremos atentos a qualquer alteração clínica.

Assim, esperamos que seja uma grande Copa do Mundo e que possamos discutir ciência no esporte, acompanhar histórias, aprofundar conhecimento e, quem sabe, mudar paradigmas.

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