‘Teia de aranha’: como funciona a rede de túneis do Hamas em Gaza
7:45 18/11/2023
Passagens permitem que militantes, veículos e, mais recentemente, reféns transitem dentro do território, longe dos olhares dos israelenses
Por The New York Times, O Globo
16/11/2023 04h01 Atualizado 16/11/2023
A Faixa de Gaza tem todos os desafios que os soldados poderiam esperar em um ambiente de guerra urbana: emboscadas em arranha-céus, linhas de visão truncadas e, por todo o lado, civis vulneráveis sem onde se esconder. Mas à medida que as forças terrestres israelenses avançam lentamente em Gaza, o perigo maior pode estar debaixo dos seus pés.
LABIRINTO SUBTERRÂNEO
Os militantes do Hamas que lançaram um ataque sangrento contra Israel, no mês passado, construíram um labirinto de túneis que alguns acreditam se espalhar pela maior parte do território que controlam — lideranças do grupo chegaram a dizer que eles se estendem por 500 km. E não são túneis simples.
Localizadas em densas áreas residenciais, as passagens permitem que os combatentes se movam livres dos olhos do inimigo. Existem ainda bunkers para armazenamento de armas, alimentos e água, e até centros de comando e túneis largos o suficiente para permitir a passagem de veículos como motocicletas, acreditam especialistas.
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Portas e escotilhas que não chamam a atenção servem como pontos de acesso disfarçados, permitindo que os combatentes do Hamas saiam em missões e depois sumam de vista. Ninguém de fora do grupo terrorista tem acesso ao mapa completo da rede, e poucos israelenses puderam ver os desenhos com os próprios olhos.
Mas fotos, vídeos e relatos de pessoas que estiveram nos túneis permitem traçar um contorno básico do sistema e como ele é usado. Esse material inclui fotografias tiradas por jornalistas no interior das passagens, relatos de pesquisadores que estudam os túneis e detalhes obtidos pelos próprios israelenses depois da invasão de Gaza em 2014.
‘TEIA DE ARANHA’
Destruir os túneis é um ponto central nos planos de Israel para tentar aniquilar a liderança do Hamas depois dos ataques de 7 de outubro.
A existência dos túneis foi usada pelos israelenses como justificativa para bombardear áreas civis, especialmente depois de um grande ataque aéreo contra a região de Jabaliya, onde há um grande campo de refugiados. O Hamas negou que os seus túneis estivessem sob alguns dos locais atingidos por Israel, e é muitas vezes impossível verificar as afirmações de Israel.
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Para destruir túneis, os israelenses precisarão encontrar entradas que estão muitas vezes escondidas dentro de edifícios civis, e que levam aos túneis construídos com concreto, como sugerem imagens. Eles normalmente têm 1,80m de altura e 1m de de largura, o que forçaria as unidades de combate, como os comandos Samur (“doninha”), especializados em ações dentro dos túneis, a caminhar em uma fila única.
Yocheved Lifshitz, uma israelense de 85 anos mantida refém durante 17 dias nos túneis depois de ter sido raptada em 7 de outubro, descreveu ter sido conduzida através de uma rede de túneis molhados que se assemelhava a uma “teia de aranha”. Depois de cerca de duas horas de caminhada, finalmente chegou a um grande salão onde também estavam cerca de 25 reféns, incluindo alguns do kibbutz onde ela vivia, o de Nir Oz.
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Acredita-se ainda que existam mais de 200 reféns israelenses em poder do Hamas, e muitos provavelmente estão nos mesmos túneis que Israel pretende destruir. O premier Benjamin Netanyahu disse que trazê-los para casa é um dos dois principais objetivos da operação militar, sendo o outro “destruir o Hamas”. Mas os túneis usados para esconder equipamentos, armas, reféns e combatentes do Hamas não são as únicas passagens escondidas em Gaza.
Depois que o Hamas chegou ao poder em um violento golpe armado, em 2007, o que também levou ao reforço do bloqueio de Israel ao território, uma extensa rede de túneis de contrabando surgiu na fronteira entre Gaza e o Egito, na região de Rafah. Estes túneis são utilizados para contornar o bloqueio e permitir a importação de uma grande variedade de mercadorias, desde armas e equipamentos eletrônicos até materiais de construção e combustível.
As autoridades egípcias tentaram destruir estas rotas de contrabando, e chegaram a bombear água do mar para inundar a rede e fazer com que alguns dos túneis desabassem. Mas especialistas dizem que muitas das passagens continuam em operação.
ARMADILHAS POR TODOS OS LADOS
Apesar da capacidade militar israelense ser muito superior à do Hamas, seja em tamanho ou qualidade dos equipamentos, lutar contra um inimigo em sua própria rede de túneis é uma tarefa de alto risco.
John Spencer, que estuda guerrilha urbana no Instituto de Guerra Moderna, ligado à Academia Militar dos Estados Unidos, afirma que a batalha nos túneis “é mais parecida com lutar no fundo do mar do que na superfície ou dentro de um prédio”.
— Nada do que você usa na superfície funciona — disse recentemente no podcast Modern Warfare Project. — Você precisa ter equipamentos especializados para respirar, enxergar, navegar, se comunicar e para empregar meios letais, especialmente disparos de armas de fogo.
Disparos só podem ser feitos com dois soldados por vez, um em pé e o outro agachado, o que daria uma vantagem teórica àqueles que se defendem no local. Granadas e lançadores de foguetes são ineficazes e a explosão pode atingir também as tropas de ataque — se estiverem com óculos de visão noturna, a luz emitida pelos disparos podem atrapalhar os equipamentos, e eventualmente as tropas poderão ser obrigadas a usar armas de menor calibre, como pistolas, ou até mesmo facas.
Um dos maiores riscos de entrar nos túneis é que o Hamas instalou armadilhas com explosivos nas entradas dizem especialistas.
— No momento em que eles perceberem que os israelenses entraram nos túneis, vão apertar o botão e tudo vai desabar em cima dos soldados — disse Ahron Bregman, professor do King’s College, de Londres, especializado no conflito Árabe-Israelense.
‘UM CONTRA UM’
As forças israelenses provavelmente não conseguirão destruir toda a rede de túneis.
— É muito grande e não faz sentido destruir tudo — disse o Dr. Bregman.
Ao invés disso, os militares devem se concentrar em bloquear as entradas dos túneis, utilizando também os ataques aéreos ou detonando os locais em terra, com explosivos. Também é pouco provável que levem os combates para debaixo da terra, a menos que se vejam sem escolha.
Entrar nos túneis retiraria as vantagens das forças israelenses, disse Bregman. Neste momento, eles estão avançando com tropas, tanques e helicópteros em Gaza.
— Quando você chega ao túnel, é um contra um — concluiu.
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