Luiza Trajano: ‘Não ligo para o que cobram. Não tenho compromisso com perfeição’
11:01 28/02/2022
Executiva mais influente do Brasil, Luiza Trajano construiu um gigante varejista com ousadia e propósito. Leva o ativismo corporativo a sério, embora negue eventual candidatura política, e ganha em breve biografia assinada por Pedro Bial. Em rara entrevista, faz, no mês da mulher, uma reflexão sobre sua vida e carreira
“Continuo a pessoa de sempre”, já começou dizendo Luiza Helena Trajano em sua sala na sede do Magazine Luiza, em São Paulo, onde nos encontramos em meados de fevereiro, pouco depois de se recuperar de uma infecção leve pela ômicron (ela está triplamente vacinada).
“Desde que a gente se conheceu no evento de Foz, sou a mesma pessoa, não é? Quando saiu a lista, a Chieko disse: ‘Você vai ver o que vai acontecer agora’. Mas não sou assim, não fico nessa expectativa. Para falar a verdade, já sabia que a lista existia, mas nunca tinha me aprofundado na importância dela.”LEIA TAMBÉM
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Luiza se referia à eleição das cem pessoas mais influentes do mundo pela revista Time, na qual foi a única brasileira perfilada, em texto assinado pelo ex-presidente Lula, em setembro. https://76813db14220e4c3f43a46d4c9b8931a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Sobre o “evento de Foz”, lembrava da primeira edição do Power Trip Summit, maior encontro de lideranças femininas do país, em Foz do Iguaçu, organizado por esta Marie Claire e já na sétima edição – em todas, Luiza esteve lá, participando ativamente das discussões. Foi onde nos conhecemos e nos encontramos diversas vezes depois. Já Chieko é Chieko Aoki, sua amiga há muito tempo, fundadora da rede de hotéis Blue Tree.
“Não ligo muito para o que os outros me cobram, não tenho compromisso com perfeição.”Luiza Helena Trajano
Nascida e criada em Franca, no interior de São Paulo, Luiza Helena começou a trabalhar na loja de utensílios domésticos da família aos 12 anos (hoje tem 73). O Magazine Luiza havia nascido pouco antes, em 1957, quando sua tia Luiza Trajano Donato e o marido, Pelegrino, compraram e rebatizaram um pequeno comércio da cidade, A Cristaleira.https://76813db14220e4c3f43a46d4c9b8931a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Filha única de Jacira Trajano e Clarismundo Inácio, começou a trabalhar por vontade própria. “Queria ganhar meu próprio dinheiro”, diz. Luiza lembra que desde essa época já brigava por causas. “A desigualdade social sempre me incomodou demais, desde que tinha uns 10 anos”, conta. “E é isso até hoje. Brinco com elas [aponta para algumas funcionárias]: ‘A capitalista aqui sou eu [risos]. Todo mundo tem que lutar contra isso, não tem cabimento ter gente sem arroz e feijão no prato’.”
O Magalu cresceu proporcionalmente ao ativismo por causas caras para Luiza, hoje presidente do conselho da empresa (que tem como CEO um de seus três filhos, Frederico, 45 anos). A rede varejista é hoje a maior do país (se desconsiderarmos o setor de alimentos) e uma das 25 maiores do mundo, ao mesmo tempo que se tornou pioneira em uma espécie de ativismo corporativo em questões sensíveis, como o enfrentamento da violência contra as mulheres, a inserção de pessoas negras na liderança e cotas para mulheres em conselhos.
Não por menos, é figura absolutamente constante na lista de melhores empresas do Brasil para trabalhar e, em 2021, no auge da pandemia, encabeçou a lista do Great Place to Work, motivo de orgulho para Luiza e Fred: 92% dos funcionários da companhia dizem que é um ótimo lugar para estar. Nada mau para um negócio que tem mais de 40 mil colaboradores diretos espalhados pelo país.https://76813db14220e4c3f43a46d4c9b8931a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.htmlLEIA TAMBÉM
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Mas só o Magalu não era o bastante para Luiza. Em 2013, com um grupo de 40 líderes, muitas delas amigas (que incluem, além de Chieko, nomes como Sonia Hess, ex-Dudalina, e a consultora Betânia Tanure), fundou o Mulheres do Brasil, que hoje reúne 100 mil
signatárias.
Com lemas como “Somos um grupo suprapartidário”; “Não inventamos a roda, nos engajamos em projetos e instituições já existentes”; “Não usamos o nome e nem registros do grupo para benefícios pessoais ou profissionais” e “Não somos contra os homens, somos a favor das mulheres”, a associação busca promover impacto social na sociedade civil e pressionar grupos políticos a acelerar pautas progressistas, entre outras ações.
Foi sua atuação à frente do Mulheres que deu a Luiza a recente visibilidade internacional inédita. Além da Time, nos últimos seis meses foi perfilada por jornais como The New York
Times, Le Monde e Financial Times.
Sua atuação à frente do Unidos pela Vacina, projeto que ajudou a organizar e acelerar a vacinação contra a covid-19 no país, foi o principal destaque, mas não só. Mês que vem, ganhará uma biografia assinada por Pedro Bial, com tiragem inicial de 100 mil exemplares.
Há anos Luiza nega que vá entrar para a política partidária – “Sou política no que faço no meu dia a dia já” –, apesar de frequentemente ser cobiçada por partidos, em especial em anos eleitorais. À Marie Claire, faz um balanço de sua trajetória e lista planos para o futuro: “Não tem jeito, sou muito novidadeira”. Com a palavra, Luiza.https://76813db14220e4c3f43a46d4c9b8931a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Unidos pela vacina
“Quando começamos o projeto, no início de 2021, a ideia era ajudar a vacinar 70% da população até setembro. Recebi um monte de gente preocupada comigo, dizendo: ‘Luiza, não coloca seu nome desse jeito, essa meta é irreal’.
Mas não tenho compromisso com perfeição, gente. Sempre respondi: ‘Se não der certo, vou dizer que pelo menos eu e milhares de brasileiros tentamos ajudar, em vez de apontar o dedo’. E se setembro chegasse com 30%, 40% de vacinados, iria dizer: ‘Não deu, pronto’.
Mas fizemos nossa parte. E em setembro lá estavam os 70%. Inclusive ganhei dos voluntários do movimento um livro customizado com essa história para mostrar pros
meus netos, de como a avó deles não se omitiu nessa pandemia.”
Mulheres do Brasil
“Em 2013, no governo da presidenta Dilma, começou-se a falar muito sobre mulheres empreendedoras. Aí fomos convidadas, eu e algumas executivas, para ir a Brasília contar sobre empreendedorismo feminino.
“Na época, dez anos atrás, ninguém falava muito sobre liderança feminina. Foi uma mudança muito rápida. Pouca gente conversava também sobre violência contra as mulheres, igualdade racial nas empresas etc.”Luiza Helena Trajano
Quando o Mulheres do Brasil nasceu, depois dessa viagem, tivemos algumas premissas muito importantes. Já nascemos um grupo político, claro, que é hoje um dos maiores do mundo. Mas é apartidário. E digo isso com orgulho. Mesmo em 2018, naquela confusão que foram as eleições presidenciais, com mulheres das mais diferentes ideologias dentro do grupo, não saiu uma briga.
Nós também decidimos logo no começo que não começaríamos nada do zero, e sim apoiaríamos quem já fosse proprietário no assunto. Fomos montando comitês: de saúde, educação, sustentabilidade… hoje já são 22. Não focamos só nas lutas das mulheres, mas também na das crianças, das pessoas com deficiência, do incentivo à ciência etc.”https://76813db14220e4c3f43a46d4c9b8931a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
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Ativismo corporativo
“Com a pandemia, alguns processos dentro das empresas se aceleraram. Principalmente relacionados a uma gestão mais orgânica, não tão previsível. O digital chegou para valer e, com ele, ficou claro que não dá pra seguir a cartilha, porque em um piscar de olhos aparece um novo concorrente. Só isso já começou a mexer com o algoritmo que previa tudo, porque a própria pandemia é imprevisível.
Quando você acha que o vírus está indo, ele volta de outra forma. Esse período também escancarou a desigualdade no país, e as pessoas começaram a ter medo de tudo: de
perder família, amigos, emprego. Isso fez com que o consumidor também mudasse. Muito esperto, o mercado financeiro percebeu tudo.
“Era um desgaste para explicar, mas, depois da pandemia, ou a empresa se adapta ou não existe mais espaço para ela no mundo. E quem diz isso não sou eu, é o mercado.”Luiza Helena Trajano
Antes de se falar em ESG (práticas ambientais, sociais e de governança), já me perguntavam sobre como levar propósito para as empresas – basicamente os mesmos fundamentos do ESG. Sempre respondi: ‘Vale a pena’. Se me dissessem: ‘Mas minha empresa não vê a importância disso’, respondia: ‘Devagar vai ver’.”
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Programa de trainees
“A ideia do programa de trainees só para candidatos negros [em 2020] foi do Frederico, nem foi minha. Levamos muita paulada no começo, mas ninguém muda paradigmas sem paulada, faz parte da mudança. O movimento negro se uniu muito a favor, o mercado financeiro também, as ações subiram, apesar de termos sido cancelados por um monte de gente.https://76813db14220e4c3f43a46d4c9b8931a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Lembro que era um domingo quando o Frederico escreveu uma carta que foi muito importante. Ele dizia: ‘Gente, eu quero mudar a minha empresa. Vocês não precisam mudar
a de vocês, não tô querendo mudar o Brasil’.LEIA TAMBÉM
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Acho que o que mudou mesmo o Brasil, e o mundo, foi o caso George Floyd. Aqueles seis minutos mudaram tudo. Mas o programa de trainees já estava pronto havia algum tempo, só lançamos logo depois.”
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Vida política
“Vou te falar uma coisa, até acho que poderia ser útil para o país [na política], poderia conciliar. Mas ao mesmo tempo não tenho tempo para adquirir experiência. Se eu tivesse uns dez, 15 anos a menos, poderia até pensar. Mas estou em uma fase em que quero aproveitar meus netos, porque, se não fizer isso agora… você entende?
Tem um Brasil que amo muito e vou continuar ajudando, como já faço. Não conheço nada de gestão pública. Teria de dedicar uns dez anos para aprender… Sinto não ter menos idade para isso.
Vou continuar fazendo política com o Mulheres do Brasil, que tem projetos maravilhosos; o grupo vai assumir uma postura mais politizada, propondo projetos na Câmara. Estamos
trabalhando para ter 50% de mulheres nas cadeiras políticas, há todo um planejamento para isso.”https://76813db14220e4c3f43a46d4c9b8931a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
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Lula e a Time
“Fiquei sabendo que estaria na lista da Time uns 15, 20 dias antes. E não podia dizer nada. Aí o Frederico me ligou e perguntou: ‘Você sabe o que é isso? Tem dezenas de países, e são só cem pessoas etc.’. E eu: ‘Nossa, então é assim?’.
“Quando entendi a dimensão, foi uma sensação muito interessante, primeiro de gratidão, porque, puxa, sou uma menina que saiu do interior, nunca busquei isso, nunca pensei: ‘Quero ser conhecida’.”Luiza Helena Trajano
Achei que uma mulher iria escrever sobre mim. Sobre o Lula ter feito o meu texto, depois me explicaram que tinha de ser escrito por alguém que já esteve na lista, né? Sempre aparece uma polêmica com meu nome, até nessa hora… Mas acho que ele foi feliz no que disse, minhas colegas do Mulheres do Brasil falaram: ‘Eu escreveria a mesma coisa!’.
[Na reportagem, Lula publicou: “em um mundo onde bilionários queimam fortunas em aventuras espaciais e iates, Luiza se dedica a um tipo diferente de odisseia. Ela assumiu o desáfio de construir um gigante comercial e, ao mesmo tempo, construir um Brasil melhor”.]
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Filha de duas mães
“Nasci em uma família em que todas as mulheres trabalhavam. Só essa criação já era diferente. Perdi minha mãe muito jovem. Minha tia [Luiza], que é viva até hoje, e que é minha mãe também, que cuidou igual mãe, tem uma inteligência muito empreendedora.https://76813db14220e4c3f43a46d4c9b8931a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Ela é forte, luta contra crises, trabalha, enfrenta. Nunca escutei dela: ‘Ah, não tem dinheiro’. Já minha mãe nunca teve esse espírito empreendedor, mas tinha muita inteligência emocional, diferente da minha tia. Foi ela quem me deu essa cabeça de solução, ela não tinha dó de mim, assim como nunca tive dos meus filhos.
“Aprendi cedo o que é ter empatia. Quando comecei a trabalhar, sentava perto do cliente e tinha que imaginar quanto ele ganhava, o que fazia, entender sua vida. Depois de ter contato com muita gente do outro lado do balcão, acho que aprendi a ver as pessoas como elas são.”Luiza Helena Trajano
Minha mãe não falava: ‘Coitadinha da minha filha’ quando aparecia um problema. Acreditava na mulher e sempre achou que eu fosse capaz de resolver meus problemas, fosse em casa,
fosse no trabalho. Sou muito a soma das duas.”
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Maternidade e netos
“Casei cedo, aos 24 anos [com o comerciante da área automobilística Erasmo Fernandes Rodrigues, morto em 2009]. Tive três filhos em três anos e meio [Ana Luiza, Frederico e Luciana]. Não queria ter só um, porque fui uma criança sozinha. Tinha vantagens, mas muitas desvantagens.
Não ligo muito para o que os outros me cobram, não tenho o compromisso de ser perfeita. Se
meus filhos faziam birra, é porque a mãe trabalhava fora… ‘Ai, coitadinhos, a mãe trabalha muito’. Mas nunca liguei. Erasmo também não, e me ajudava dentro do que podia.
“Filho é um divisor na vida da gente. Nunca incentivei nenhum deles a trabalhar comigo. O que tenho mais orgulho é de ter três filhos muito comprometidos com a vida, com propósito, com pessoas. São politizados, lutam por causas, tratam todo mundo igual. Nunca tive expectativas profissionais em relação a eles, mas queria que tivessem inteligência emocional.”Luiza Helena Trajano
Já com meus seis netos… tenho dó de tudo [risos]. Mas avó é assim mesmo, né? Hoje em dia é meu melhor papel. Não é que fico correndo atrás deles o dia todo, pedindo para me ligar, eles sabem que têm uma avó ocupada. Meu neto mais velho, de 13 anos, me falou ano passado: ‘Vó, tô vendo aí que vão te convidar para ser presidente do Brasil. Até acho que você iria ser muito boa, mas acho que você não deve ir não’ [risos].”
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